Leitura e produção

28/11/2011 17:11

Que a leitura é essencial para uma clara compreensão de enunciados, para o desenvolvimento do senso crítico e para o crescimento do indivíduo enquanto agente em constante evolução é fato, mas importa muito atentar para como a leitura está sendo inserida no meio escolar e até que ponto a disciplina leitura e produção enquanto disciplina obrigatória na grade curricular do ensino primário (trabalhada nesta fase de maneira amena) e no ensino fundamental (neste ponto com mais ênfase) é válida, e então levantar uma discussão acerca de meios viáveis de esta disciplina e essa inserção se tornarem fatores positivos para o educando. Não é segredo que a leitura é tida como cansativa, enjoativa pela maioria dos jovens estudantes fadados aos livros, “se quiserem ser alguém na vida”. Mas de onde vem essa relação de leitura e martírio? E mais, como atingir o “felizes para sempre” sem tirar o pé do chão?

A expressão “leitura obrigatória” sugere por si só condenação à masmorra[1] e quantos têm ido à masmorra por ordem superior? Aí reside um dos grandes problemas que rondam o progresso da leitura enquanto prática que possibilita agregação de riqueza cultural e social para o indivíduo, não há inserção da idéia da leitura prazerosa que aguça a imaginação e corrobora para a formação de pessoas com poder de questionamento e reivindicação mais intenso. E neste ponto, focando o profissional como eixo central da nossa observação, se se considera irrelevante tomar a postura de um leitor atento e apaixonado, que se deixa envolver momentaneamente pelo que está lendo, o profissional de fato não está preparado para ensinar uma disciplina de tamanha importância,afinal trabalhar a questão da leitura com desinteresse gerará, consequentemente, desinteresse, ao passo que se a mesma questão for trabalhada com interesse gerará interesse.

Conquistar e aguçar a curiosidade do indivíduo é passo essencial na busca pelo leitor que existe internamente e que não aflora, dentre os mais diversos fatores, pela falta de incentivo. A questão não é ordenar, mas propor; não é impor um livro, mas propiciar possibilidades de escolha sob o pretexto do “amor à primeira vista” – título, autor, tema etc. De nada adiantará o exposto se não houver disposição do profissional/educador que agora terá que desempenhar a árdua tarefa de instalar o gosto pela leitura e não só repassar o cumprimento da ordem estabelecida que reza que determinado livro deve ser lido e discutido.

Com um trabalho diferenciado acerca da leitura, até as discussões sobre o que foi lido tomarão outros rumos e assumirão proporções, até então, inesperadas. No lugar da cobrança “o que você entendeu do capítulo tal?” ou “ descreva a personagem central.”, teremos debates em torno de possíveis identificações com personagens, histórias, pequenas passagens que a literatura escolhida trouxe, assimilações e afins. Aí sim, a inserção da leitura na sala de aula pela disciplina leitura e produção de texto mudará os rumos do Brasil e apontará para um futuro promissor, afinal – lembrando o fato de vivermos numa democracia – uma nação constituída por leitores atentos tem, como conseqüência, eleitores compromissados.

O dado de a leitura ser mágica e ter a capacidade de apresentar um mundo novo – imaginário – que pode ser tanto um lugar de refúgio quanto de enfrentamento coloca à frente do leitor a oportunidade de se tornar apto a ultrapassar barreiras do/no mundo real. O elaborar cenários e criar personagens, posicionar-se contra ou a favor de determinada exposição demanda tempo de análise, o que estimula diretamente, além da criticidade, a criatividade, e este é outro ponto importante nesse estudo.

A abertura de debates em sala abrirá possibilidades de descobertas de inúmeras interpretações para um só texto, o que deixará evidente quão a literatura é abrangente. Vale ressaltar que a interpretação se dá num contexto – dependendo do ângulo em que o leitor se posiciona diante da história, ela se passa de um jeito; se se muda o ângulo, se muda também o modo se ver e sentir a história que por sua vez toma nova proporção. Acontece a interação do indivíduo com a leitura, do mundo real com o fantasioso e poder-se-ia dizer até que essa interação se dá no momento de entrega do leitor à leitura e isso recai no desvendamento de mistérios vividos até então tidos como indissolúveis.

A disciplina em questão é leitura, mas não só. Trata-se de leitura e produção de texto, a idéia é ler e depois produzir algo acerca do que foi lido, mas ainda melhor do que ver uma mera reprodução é perceber a produção própria do conhecimento a partir do que foi lido, ou pelo menos a tentativa de uma produção que vá além do esperado, do senso comum. Nesse momento temos a escrita como a verbalização do que se pensa.

Escrever com clareza a fim de ser compreendido é um dos grande ideais de quem escreve, e a leitura atenta tem como conseqüência, sem dúvida, uma escrita mais inteligível, não obstante esta não seja regra única. A prática evidenciará a necessidade de se praticar mais e mais na busca pela perfeição. A dedicação sim é aliada primeira da escrita que surte efeito – persuade, esclarece, provoca a lágrima ou o sorriso – porém essa dedicação a qual me refiro não compreende escrever indiscriminadamente e acreditar assim que com horas dispensadas à escrita, dedicou-se, mas refiro-me aqui àquela dedicação de correção, ou melhor dizendo, de auto-correção; àquela que evidencia vontade de fazer melhor e que no final denota crescimento.

Voltando ao educador, o educador da disciplina que empreende a produção textual dever atentar-se para esta dedicação a fim de instigar produções cada vez mais consistentes, criativas que possam de fato chamar a atenção de quem a elas tiver acesso. A questão não é aceitar tudo que lhe é apresentado – no caso de trabalhos incompreensíveis, incompletos, ou que não demonstrem um mínimo de dedicação – nem ridicularizar ou mesmo esculhambar[2], mas mostrar a importância do fazer-se compreendido via escrita, e procurar a melhor maneira[3] de mostrar que na escola ele ( o indivíduo) encontra a oportunidade do aprendizado, instigando deste modo a necessidade do aproveitamento das aulas pelo próprio educando, sem coação, amigavelmente.

A busca pelo exercício do cargo com afinco é, sem dúvida, atitude de quem enxerga no diploma não só a oportunidade de aumento de salário, mas percebe no diploma a concessão de confiança que indica, então, capacidade de ocupar determinada função. No caso do magistério, a ligação entre o diploma e o cargo dever ser íntima uma vez que sem essa comunicação interna de buscas e interesses, pode-se afirmar categoricamente que não haverá aprendizado verdadeiro, apenas o simples repasse de informações, por vezes quebradas, devido a falta de interesse do próprio profissional/educador no esmero do ensino.

Perde com isso o educador, o educando, a sociedade como um todo. O educador que tem tudo para ser agente revolucionário no que fiz respeito a implantar a importância do ato de ler, do ato de escrever, do ato de pensar mais organizadamente e com isso conquistar a formação de indivíduos mais conscientes acerca do seu papel na sociedade, permanece passivo e cansado de não fazer nada no palco, sonha com uma vaga na platéia – lugar demasiadamente ou deveras mais confortável, tendo em vista o comodismo vergonhoso que assola a classe tida como “formadora de opinião”.

Com preguiça, desgosto, desolação o professor não estimulará a leitura, ele pelo contrário acentuará o desinteresse do educando tanto pelo ato de ler quanto pelo ato de escrever, fazendo assim com que haja a permanência de um poço ignorante, que se manifesta contra aquilo que não o agrada com gritos inconsistentes, resultado de um aprendizado deficiente.

[1] Aposento triste e sombrio.

[2] esculhambar

Conjugar

v. tr., Brasil, gír., desmoralizar;
criticar com violência;
escarnecer;
esculachar;
estragar.

[3] Não há regras para tratar o ser humano. A particularidade de cada contexto pede medidas peculiares a fim de conservar o bom senso quando o assunto é ensinar e mais ainda quando a idéia e querer fazer-se entendido quando o outro (no caso, o maior beneficiado) se recusa entender quaisquer explicações. É diferente o modo de um educador lidar com um aluno que vive apenas para estudar, do modo de lidar com outro aluno aplicado, mas que está disperso por problemas familiares, do modo de lidar com uma adolescente rebelde que quer impor sua identidade, do modo de lidar com o mais tímido da turma, do modo de lidar com o mais indisciplinado. Cada caso exige uma avaliação e depois uma tomada de posição que não cause constrangimento, mas que tenha como efeito o crescimento do educando.


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